Dark
Light

Processo de execução: entenda a alienação por iniciativa particular

Janeiro 20, 2024

O Código de Processo Civil elenca, nos artigos 879 e 880, as situações que ensejam a venda compulsória de bens do executado no decorrer de ações judiciais, abrangendo a adjudicação, a alienação por iniciativa particular e o leilão judicial, seja ele eletrônico ou presencial. Segundo a regulamentação processual, nos casos em que não há interesse do exequente na adjudicação do bem, a alienação por iniciativa particular passou a ser admitida, até mesmo preferencialmente ao leilão.

Esta ferramenta, introduzida pelo Código de Processo Civil, visa agilizar a resolução de conflitos, concedendo maior autonomia ao exequente, que pode converter o bem penhorado em recursos financeiros ao buscar compradores para satisfazer seu crédito. No entanto, a alienação por iniciativa particular suscita dúvidas práticas, especialmente em virtude das lacunas legislativas, notadamente no contexto de bens imóveis. Isso decorre do silêncio do Código de Processo Civil em relação a aspectos cruciais para transações imobiliárias, como a avaliação do imóvel e a natureza da aquisição, que pode acarretar na assunção de ônus pelo adquirente, entre outras considerações destacadas a seguir.

Seguindo as normativas legais, o exequente tem o direito de requerer a adjudicação do bem penhorado nos autos da ação, substituindo a obrigação de pagamento em dinheiro pela apropriação direta do bem para satisfazer seu crédito. Todavia, na ausência de interesse do credor nesse método, o exequente pode solicitar, se assim desejar, a alienação do imóvel a terceiros. Essa venda pode ocorrer diretamente ou por intermédio de corretor de imóveis ou leiloeiro credenciado ao órgão judiciário, sendo distinta do leilão judicial puro, conforme delineado a partir do artigo 881 do Código de Processo Civil. Caso não haja interesse na alienação por iniciativa particular, a venda será conduzida pelo modelo de leilão presencial ou eletrônico. Assim, o leilão tradicional permanece como uma opção, aplicável de forma subsidiária na ausência de interesse do exequente na adjudicação ou na alienação por iniciativa particular.

O Código de Processo Civil, no artigo 880, estabelece que o procedimento da alienação por iniciativa particular será regulamentado pelo juiz responsável pelo caso. Isso implica que o procedimento e a aplicação prática da venda do bem podem variar conforme a decisão de cada juiz, que determinará prazos para alienação, formas de publicidade, preço mínimo, condições de pagamento, garantias eventuais e comissão de corretagem, se aplicável. Além disso, o juiz, em conjunto com o adquirente e, se presente, o executado, assinará a carta de alienação e o mandado de imissão na posse. Esses documentos representam os títulos translativos da propriedade do bem imóvel, a serem registrados no Cartório de Registro de Imóveis competente, juntamente com o comprovante da quitação do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI).

Embora a alienação por iniciativa particular tenha preferência sobre o leilão judicial, sua regulamentação é “restrita” ao conteúdo do artigo 880, enquanto o leilão, modalidade tradicional de alienação em ações judiciais, possui uma regulamentação mais abrangente. Não há disposição expressa sobre a aplicação subsidiária dos dispositivos destinados ao leilão (por exemplo, se as restrições de participação no leilão judicial, conforme o artigo 890 do Código de Processo Civil, também se aplicam à aquisição por iniciativa particular), gerando incertezas e deixando a venda quase inteiramente a critério do juiz.

Apesar das diversas correntes doutrinárias, a tendência do Judiciário tem sido favorável à permissão da venda sem a necessidade de edital, evitando a aproximação do processo da alienação por iniciativa particular com o leilão tradicional (maior morosidade e custo). Além disso, tem-se permitido o requerimento de alienação por parte do executado ou terceiros, desde que com o consentimento do exequente. No entanto, a avaliação do bem penhorado permanece como um ponto controverso, com a jurisprudência ainda não consolidada.

Além dos aspectos mencionados, sob a ótica imobiliária, uma questão crucial diz respeito à natureza da alienação por iniciativa particular. Mesmo sendo uma venda no âmbito judicial, ela é solicitada, na maioria das vezes, pelo autor da ação, e os termos e condições são estipulados pelo juiz da causa, que orienta todo o processo de alienação. Debate-se, portanto, se eventuais ônus ou débitos de natureza propter rem em relação ao imóvel seriam oponíveis ao adquirente, ou arrematante, mesmo que o procedimento ocorra integralmente na esfera judicial.

Nesse contexto, ao julgar o Agravo em Recurso Especial de n. 929.244-SP em 14 de fevereiro de 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que essa alienação é equiparável à hasta pública, sendo uma “venda coativa da coisa penhorada, sob supervisão judicial, embora com procedimentos mais simples”. O STJ estabeleceu que a alienação por iniciativa particular é uma modalidade de aquisição originária de bem imóvel, o que implica que o adquirente recebe a coisa livre de ônus e débitos.

Outro ponto relevante é a aplicação da alienação por iniciativa particular em ações trabalhistas. Nessas ações, o Código de Processo Civil é aplicado de forma subsidiária, enquanto a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no artigo 888, regula o tema de maneira diferente. A CLT estabelece que a alienação particular é possível apenas se não houver licitantes no leilão. Nesse contexto, discute-se a primazia do princípio da especialidade da lei trabalhista sobre a legislação suplementar posterior. O Judiciário tem se posicionado favoravelmente à aplicação do Código de Processo Civil, permitindo a venda particular antes do leilão, visando a eficiência e celeridade do processo, embora exista também uma corrente minoritária que defende a aplicação da CLT.

Em suma, a alienação por iniciativa particular visa conferir agilidade aos processos judiciais, tornando mais eficiente e menos burocrática a venda de bens penhorados. Contudo, essa modalidade de alienação pode enfrentar desafios decorrentes das lacunas legislativas e das divergências quanto à aplicação da legislação mais apropriada. Há riscos de questionamentos e, consequentemente, de indesejável insegurança jurídica, especialmente para o adquirente de bem imóvel alienado nessas condições.

Samuel Jr.

Sou advogado, graduado, especialista e mestre em Direito.
Apaixonado pelo Direito Bancário, foco em alienação fiduciária.

História anterior

Erros na descrição de imóveis em editais de leilão e suas consequências legais

Próxima história

Nova regra sobre vazamento de dados no PIX

Últimas de

Nova regra sobre vazamento de dados no PIX

A comunicação acerca de qualquer vazamento, independentemente do potencial de riscos ou danos, tornou-se uma obrigação para as instituições participantes do arranjo de pagamento